O inadequado uso da modalidade técnica e preço em licitações concessórias

Outubro 25, 2023 - 21:23
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O inadequado uso da modalidade técnica e preço em licitações concessórias

TCE-SP tem considerado a subjetividade em sua jurisprudência, ponderando a inviabilidade desse critério de julgamento em licitações de serviços públicos e de infraestrutura, como saneamento e gestão de resíduos sólidos urbanos

A modalidade técnica e preço vem sendo adotada com frequência como critério de julgamento em processos de licitação. Mas há uma grande diferença entre a técnica e o preço: a primeira é potencialmente subjetiva, enquanto a segunda possui uma dose maior de precisão e objetividade. Esta metodologia pode ser imprecisa e, em termos práticos, acarretar perda de eficiência, sobretudo depois da conclusão da licitação. A modalidade tem embasamento legal, mas há de se observar com cautela a sua utilização, pois há situações em que o seu emprego pode abrir espaço para diversas formas de ilegalidade.

Em projetos estruturados na forma de parceria público-privada (PPP), as regras para a definição dos parceiros devem ser distintas daquelas normalmente adotadas para a contratação de obras e serviços comuns da Administração. Os mercados não são os mesmos. Em uma PPP, interessa à administração pública a contratação de agente econômico com capacidade de investimentos de longo prazo e experiência na gestão de certos ativos, serviços ou infraestruturas públicas – e não a execução de uma técnica preestabelecida na licitação de modo imperativo.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP), referência no país, tem considerado, em sua jurisprudência, tanto o tema da subjetividade quanto, em específico, o fator da técnica e preço. Constata-se certa tendência em ponderar a inviabilidade de adotar esse critério de julgamento nas licitações que envolvam a delegação de serviços públicos e de infraestrutura, como o saneamento e a gestão de resíduos sólidos urbanos (RSU). Atualmente no Brasil há 12 processos de RSU em andamento, em seis estados, na modalidade técnica e preço – Rondônia está entre eles. O edital, referente a Porto Velho, ainda está em julgamento pelo Tribunal de Contas do Estado de Rondônia (TC-421/2022).

O TCE-SP determinou, recentemente, a anulação de editais de PPPs com o argumento de que o julgamento consoante técnica e preço não seria condizente com o objeto da licitação, uma vez que os referidos serviços não se revestem de caráter eminentemente intelectual. Em todos os casos, a Corte registrou sua preocupação com o subjetivismo presente na avaliação de quesitos técnicos. Certos parâmetros podem conduzir a determinados resultados e, portanto, prejudicar a probidade da licitação. Com essa postura, desvirtuam-se os critérios de julgamento; na realidade, eles perdem a sua finalidade legal, constituindo-se em mero argumento justificador de fins ou agentes definidos de modo prévio. Ingressa-se no terreno arenoso de potenciais direcionamentos.

Com o uso amplificado e, portanto, sem razão, do critério combinado de técnica e preço como parâmetro de julgamento, surgem situações de violação à isonomia, à objetividade do julgamento e à razoabilidade. Ora, para que indicadores de desempenho seriam necessários se a concessionária estaria limitada por uma metodologia prévia e rigorosamente estabelecida no momento da concorrência? Trata-se de inversão da lógica que deve imperar. Em regra, os níveis de investimentos e os indicadores dos serviços condicionam a metodologia – e, portanto, a técnica – a ser precificada pelos licitantes. Sendo assim, a análise da proposta técnica (de forma abstrata e apriorista) não gera eficiência. Considerada a discussão em seu contexto apropriado, a técnica demonstra-se muito menos relevante do que o resultado.

Diante das considerações, parece equivocada a utilização do critério de técnica e preço em processos licitatórios que tenham por objeto um contrato de concessão ou de parceria público-privada. O esforço argumentativo necessário para validar a opção do administrador deve ser altamente robusto e em situações bastante específicas e particulares. Caso o esforço não esteja presente, como se pode observar na grande maioria dos casos, espera-se uma atuação contundente dos órgãos de controle, enfatizando a necessária concretização dos valores isonômicos insculpidos no texto Constitucional.

*Professor de Direito Administrativo e Fundamentos de Direito Público da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Doutor e Mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (IBEJI). Vice-Presidente da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo. Advogado e Parecerista. Sócio-fundador do Dal Pozzo Advogados.

Por Artigo por Augusto Neves Dal Pozzo